Valor Econômico - 20.12.2019
Por Joice Bacelo — Brasília
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que criminaliza a conduta do empresário que declara e não recolhe o
ICMS pode ter um novo capítulo. Um dos advogados que atua no caso pretende apresentar recurso (embargos de
declaração) para pedir que o novo entendimento tenha validade somente a partir da data do julgamento.
Se esse pedido for aceito pelos ministros, os atos praticados até a última quarta-feira, quando o julgamento foi
concluído no STF, não poderão ser considerados crime. Configurariam mero inadimplemento fiscal.
O tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do escritório Mauler Advogados, representa um dos comerciantes no RHC 163334. Ele diz que ainda é preciso aguardar a publicação do acórdão para definir exatamente o que será objeto de recurso. Mas, acrescenta, já há pelo menos duas questões “bastante amadurecidas”.
Além da modulação dos efeitos da decisão, Santiago diz que há divergência entre o caso concreto e a tese firmada
pelos ministros — que prevê a demonstração de dolo (intenção) e comportamento reiterado do devedor para
configuração do crime. “Isso não ocorreu e a discussão sequer foi abordada. Na denúncia não consta que eles tinham condições de pagar e não pagaram”, diz.
Os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio trataram dessa questão durante o julgamento. “Ali se tinha um registro de seis meses [de ICMS declarado e não pago] no valor de R$ 30 mil, longe de ser um caso seja de contumácia seja de prática fraudulenta”, afirmou, na quarta-feira, Mendes.
Já o relator, ministro Luís Roberto Barroso, rebateu enfatizando que a denúncia revelava “muitos meses de não
pagamento”, além “de três adesões a programas de parcelamento da dívida que não foram cumpridos”. Ainda assim, segundo ele, a Corte “não está dizendo que houve contumácia” no caso. “Estamos dizendo que a ação pode
prosseguir para o juiz auferir se houve ou não”, afirmou.
O pedido de modulação dos efeitos, no entanto, é o que já está sendo considerado no meio jurídico como a “grande
discussão” sobre o tema a partir de agora. Igor Mauler Santiago entende que existe a possibilidade de modulação
porque os ministros estão mudando a jurisprudência que vinha sendo seguida pela Corte.
Ele cita uma decisão do ano de 1971, proferida no RHC 67688, que tratava sobre a possibilidade de o não pagamento de IPI ser considerado crime de apropriação indébita. “Naquela época existia um decreto-lei afirmando que se tratava de crime, o STF decidiu contra e com argumentação exatamente oposta da que está sendo usada agora com o ICMS”, diz Santiago.
O advogado cita ainda julgamentos de casos tributários, em que os ministros compreendem o ICMS de forma
diferente da que foi definida agora. Antes, ele diz, o imposto era tratado como uma dívida própria do contribuinte e,
agora, a premissa é a de que o empresário é mero repassador do imposto pago pelo consumidor.
“Não só existe o julgado criminal, lá de trás, como acórdãos tributários que não são específicos, mas assentam numa
premissa que agora o Supremo está revendo e, portanto, está revendo a jurisprudência. Seria, então, o caso de
modulação”, diz Santiago.
Especialista em direito tributário, Luiz Gustavo Bichara, que atuou pelo Conselho Federal da OAB como “amicus
curiae” (parte interessada) no caso julgado pelo STF, entende como “sadia” a modulação dos efeitos da decisão. “Em tese nós passamos a criminalizar uma conduta que até quarta-feira não constituía crime. Então, até em função do
atendimento ao princípio da não surpresa, a modulação é bem razoável”, afirma. Ele apenas ressalva ser necessária a publicação do acórdão para uma análise definitiva sobre essa questão.
A modulação já havia sido solicitada na tribuna do STF pelo defensor público Thiago Campos, de Santa Catarina, que
representou outro comerciante envolvido no caso. Os ministros, no entanto, não trataram disso no julgamento. Há
um entendimento na Corte de que os pedidos de Modulação devem ser analisados nos embargos e não com o mérito.