A normas de prescrição e da decadência
são elementos necessários para se alcançar a estabilidade e a pacificação das
relações sociais. Ademais, os institutos normativos desempenham uma relevante função, qual seja, garantir
segurança jurídica.
O
princípio da segurança jurídica é um sobreprincípio, ou seja, norma de
estrutura de conteúdo valorativo que se encontra topograficamente acima de todos
os demais princípios, carregando-os em sua definição. Afirmamos em outra
ocasião que:
Os princípios são fundamentais na
ordem jurídica, uma vez que assumem posição de vetor axiológico do aplicador do
direito (juiz e legislador) no momento da construção da norma concreta
(decisão) ou abstrata (lei). Além de serem denominados por grande parte da
doutrina, de forma abstrata, como “pilares” ou “vigas mestras”, os princípios
em termos mais concretos, são normas de produção normativa, de estrutura (competência
e procedimento), que possuem conteúdo valorativo eleito de forma objetiva pelo
sistema, que obriga o criador da norma de comportamento (legislador e juiz) à
sua observância[1].
Como são todos os demais
princípios dependentes do sobreprincípio da segurança jurídica, podemos dizer
que o desrespeito a um princípio necessariamente acarretará desrespeito ao
sobreprincípio, v.g., desrespeitar
legalidade é desrespeitar segurança jurídica, desrespeitar igualdade é
desrespeitar segurança jurídica.
Segurança
jurídica é um valor inserido no conteúdo semântico de um princípio, um valor
fundamental com elevado grau axiológico; por ser um valor, sua definição é
árdua e apenas se torna possível dentro do contexto jurídico, isso porque o valor
pertence à classe dos objetos supremos que não admite definição[2],
mas pode ser objetivado; por isso, com relação aos institutos da prescrição e da
decadência, a segurança jurídica é instrumento que decorre objetivamente da
intangibilidade das situações individuais pelo decurso de tempo[3].
Mesmo
diante de seu grau axiológico elevado, quando objetivado, constrói um estado de
confiabilidade essencial para o direito tal qual ocorre com as regras do jogo.
Sem confiabilidade não se pode dizer que há regras e nem tão pouco jogo, pois
jogo sem regras confiáveis não é jogo; é como dizer que há realidade social sem
direito, como se fosse um retrocesso aos tempos das cavernas, em que os
conflitos eram resolvidos pela força bruta.
Além
da confiabilidade não se pode esquecer que o objetivo da segurança jurídica é também
garantir a previsibilidade e a tranquilidade nas ações futuras.
Ives Gandra da Silva Martins
vê uma função dupla nos institutos da decadência e da prescrição: sancionar a
inércia e garantir segurança jurídica. Vejamos: “É que sempre entendemos que a
prescrição e a decadência são formas para punir a inércia e gerar segurança
jurídica, e quanto mais distendido for o prazo de ocorrência mais inseguro será
o Direito”[4].
Posição com a qual, data
máxima vênia, discordamos, nossa premissa parte do pressuposto que o
compromisso das normas de decadência e de prescrição é com a segurança
jurídica. As regras de decadência e de prescrição não são regras de sanção à
negligência do sujeito de direito como forma de punir, mas sim uma forma de
garantir segurança jurídica. O tema é divergente, pois, de acordo com Francisco
Alves Santos Júnior:
A utilização da prescrição como
punição à inércia do titular do direito, registrada no direito romano por
Antonio Luis Câmara Leal e no direito francês por Henry y Leòn Mazeaud e Jean
Mazeuad, e também nas Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, não é aceita por
muitos juristas, tendo sido rejeitada, no Brasil por Pontes de Miranda, segundo
o qual a prescrição não protege o devedor, que confiou na inexistência da
dívida, mas sim ao não devedor, que pode mais ter prova da inexistência da
dívida servindo, assim, à segurança e à paz pública[5].
Posição que concordamos, a
regras de decadência e de prescrição servem “à segurança e à paz pública” isto
é segurança jurídica. Porém o mais importante com relação à segurança jurídica
é sua análise na ordem temporal, pois é o tempo na norma que permite o alcance
da estabilidade, como ensina Heleno Taveira Tôrres[6]:
A estabilidade, estimabilidade,
calculabilidade ou previsibilidade do direito integram a segurança jurídica na
ordem temporal, pela previsão expressa das garantias de não surpresa e de vedação ex post facto; respeito aos
direitos adquiridos, à autoridade da coisa julgada enquanto preservação da
regra patere legem quam ipse fecisti,
segundo a qual a autoridade deve suportar e respeitar a regra editada, além de
determinação clara e objetiva de prazo de prescrição e decadência.
[...]
A segurança jurídica, na temporalidade,
instaura a estabilidade de situações constituídas no tempo e, em face do regime
constitucional e da tradição jurídica brasileira [...].
Diante
de tudo que afirmamos alhures a previsibilidade se torna exigência legítima de
um sistema seguro. Por isso, afirmamos que o sobreprincípio da segurança jurídica
é a função da norma de decadência e de prescrição.
[1] SILVA, Renata Elaine.
Decisões em matéria tributária:
jurisprudência e dogmática do Supremo Tribunal Federal em controle de
constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2009a, p. 22.
[2] HASSEN, Johannes. Filosofia dos valores. Coimbra:
Almedina, 2001, p. 37.
[3] Conforme ÁVILA,
Humberto. Segurança jurídica: entre
permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 346-347.
[4] MARTINS, Ives Gandra
da Silva. Prescrição e decadência. Revista
Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 111, p. 36-43, dez. 2004.
[5] SANTOS JÚNIOR,
Francisco Alves. Decadência e prescrição
no direito tributário do Brasil: análise das principais teorias existentes
e proposta para alteração da respectiva legislação. Rio de Janeiro: Renovar,
2001, p. 30.
[6] TÔRRES, Heleno
Taveira. Direito Constitucional
Tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do Sistema
Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 410.