segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A função das normas de decadência e de prescrição é garantir segurança jurídica

                  
                   A normas de prescrição e da decadência são elementos necessários para se alcançar a estabilidade e a pacificação das relações sociais. Ademais, os institutos normativos desempenham uma relevante função, qual seja, garantir segurança jurídica.
                   O princípio da segurança jurídica é um sobreprincípio, ou seja, norma de estrutura de conteúdo valorativo que se encontra topograficamente acima de todos os demais princípios, carregando-os em sua definição. Afirmamos em outra ocasião que:

Os princípios são fundamentais na ordem jurídica, uma vez que assumem posição de vetor axiológico do aplicador do direito (juiz e legislador) no momento da construção da norma concreta (decisão) ou abstrata (lei). Além de serem denominados por grande parte da doutrina, de forma abstrata, como “pilares” ou “vigas mestras”, os princípios em termos mais concretos, são normas de produção normativa, de estrutura (competência e procedimento), que possuem conteúdo valorativo eleito de forma objetiva pelo sistema, que obriga o criador da norma de comportamento (legislador e juiz) à sua observância[1].
                  
                   Como são todos os demais princípios dependentes do sobreprincípio da segurança jurídica, podemos dizer que o desrespeito a um princípio necessariamente acarretará desrespeito ao sobreprincípio, v.g., desrespeitar legalidade é desrespeitar segurança jurídica, desrespeitar igualdade é desrespeitar segurança jurídica.
                   Segurança jurídica é um valor inserido no conteúdo semântico de um princípio, um valor fundamental com elevado grau axiológico; por ser um valor, sua definição é árdua e apenas se torna possível dentro do contexto jurídico, isso porque o valor pertence à classe dos objetos supremos que não admite definição[2], mas pode ser objetivado; por isso, com relação aos institutos da prescrição e da decadência, a segurança jurídica é instrumento que decorre objetivamente da intangibilidade das situações individuais pelo decurso de tempo[3].           
                   Mesmo diante de seu grau axiológico elevado, quando objetivado, constrói um estado de confiabilidade essencial para o direito tal qual ocorre com as regras do jogo. Sem confiabilidade não se pode dizer que há regras e nem tão pouco jogo, pois jogo sem regras confiáveis não é jogo; é como dizer que há realidade social sem direito, como se fosse um retrocesso aos tempos das cavernas, em que os conflitos eram resolvidos pela força bruta.
                Além da confiabilidade não se pode esquecer que o objetivo da segurança jurídica é também garantir a previsibilidade e a tranquilidade nas ações futuras.
                   Ives Gandra da Silva Martins vê uma função dupla nos institutos da decadência e da prescrição: sancionar a inércia e garantir segurança jurídica. Vejamos: “É que sempre entendemos que a prescrição e a decadência são formas para punir a inércia e gerar segurança jurídica, e quanto mais distendido for o prazo de ocorrência mais inseguro será o Direito”[4].
                   Posição com a qual, data máxima vênia, discordamos, nossa premissa parte do pressuposto que o compromisso das normas de decadência e de prescrição é com a segurança jurídica. As regras de decadência e de prescrição não são regras de sanção à negligência do sujeito de direito como forma de punir, mas sim uma forma de garantir segurança jurídica. O tema é divergente, pois, de acordo com Francisco Alves Santos Júnior:

A utilização da prescrição como punição à inércia do titular do direito, registrada no direito romano por Antonio Luis Câmara Leal e no direito francês por Henry y Leòn Mazeaud e Jean Mazeuad, e também nas Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, não é aceita por muitos juristas, tendo sido rejeitada, no Brasil por Pontes de Miranda, segundo o qual a prescrição não protege o devedor, que confiou na inexistência da dívida, mas sim ao não devedor, que pode mais ter prova da inexistência da dívida servindo, assim, à segurança e à paz pública[5].

                   Posição que concordamos, a regras de decadência e de prescrição servem “à segurança e à paz pública” isto é segurança jurídica. Porém o mais importante com relação à segurança jurídica é sua análise na ordem temporal, pois é o tempo na norma que permite o alcance da estabilidade, como ensina Heleno Taveira Tôrres[6]:

A estabilidade, estimabilidade, calculabilidade ou previsibilidade do direito integram a segurança jurídica na ordem temporal, pela previsão expressa das garantias de não surpresa e de vedação ex post facto; respeito aos direitos adquiridos, à autoridade da coisa julgada enquanto preservação da regra patere legem quam ipse fecisti, segundo a qual a autoridade deve suportar e respeitar a regra editada, além de determinação clara e objetiva de prazo de prescrição e decadência.
[...]
A segurança jurídica, na temporalidade, instaura a estabilidade de situações constituídas no tempo e, em face do regime constitucional e da tradição jurídica brasileira [...].

                   Diante de tudo que afirmamos alhures a previsibilidade se torna exigência legítima de um sistema seguro. Por isso, afirmamos que o sobreprincípio da segurança jurídica é a função da norma de decadência e de prescrição.




[1] SILVA, Renata Elaine. Decisões em matéria tributária: jurisprudência e dogmática do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2009a, p. 22.
[2] HASSEN, Johannes. Filosofia dos valores. Coimbra: Almedina, 2001, p. 37.
[3] Conforme ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 346-347.
[4] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Prescrição e decadência. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 111, p. 36-43, dez. 2004.
[5] SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves. Decadência e prescrição no direito tributário do Brasil: análise das principais teorias existentes e proposta para alteração da respectiva legislação. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 30.
[6] TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 410.