quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O efeito da interrupção do prazo de prescrição

                  A interrupção é o efeito jurídico que tem por objetivo cessar a contagem de um prazo legalmente estabelecido para que o mesmo volte a contar novamente.
                  Para que o efeito seja aplicado, é necessário que o prazo esteja em andamento, ademais o período já transcorrido não será considerado na nova contagem que inicia no mesmo instante que interrompe. A interrupção da prescrição nada mais é que a interrupção do período da exigibilidade.
                   Normatizar a possibilidade de interromper o prazo de prescrição permite que o período de tempo eleito pelo legislador com o objetivo de não perpetuar as relações possa ser dilatado, sem que venha de encontro ao seu objetivo.
                   A dilação pode ocorrer antes ou depois da propositura da ação de execução fiscal. A modalidade estabelecida no inciso “I, do art. 174 do CTN – pelo despacho do juiz que ordena a citação em execução fiscal” é exclusiva para permitir a dilação após a propositura da ação de execução fiscal.  Foi normatizada para que o Estado-juiz possa contar com um período de tempo maior para utilizar-se do seu poder coercitivo e alcançar a satisfação do crédito, mesmo porque se o prazo continuasse fluindo, alcançaria seu fim antes mesmo que o Estado-juiz pudesse exercer seu poder de exigir o crédito. Isso porque entendemos que o inciso I ocorrerá automaticamente após a propositura da ação de execução fiscal, pois o despacho do juiz ordenando a citação é um ato judicial de impulso oficial do processo de exigibilidade do crédito tributário e só pode ser realizado no bojo de uma ação executiva fiscal. Assim, como a hipótese do inciso III, (do mesmo artigo) por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor, pois um ato judicial apenas pode ser realizado no bojo de uma ação de exigibilidade.
                   Cabe obtemperar que após a interrupção pelo despacho do juiz não cabe outra medida interruptiva. Apenas seria admissível se esta não ocorresse, o que passa a ser uma possibilidade muito remota diante da nova redação do inciso I, o que nos permite dizer que a ocorrência da causa interruptiva será necessária e infalivelmente quando da propositura da ação de execução fiscal.
                   As demais modalidades do inciso do art.174 do CTN, “II - pelo protesto judicial; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor”, devem ser proposta antes da propositura da ação de execução fiscal, durante o período da exigibilidade. Apenas em casos excepcionais, diante da impossibilidade de ocorrência da disposição exclusiva estabelecida no inciso I, admite-se as demais medidas após a propositura da ação de execução fiscal (vide item 8.2.2.1.2).
                  Resumindo, o parágrafo único do art. 174 do CTN elencou quatro possibilidades distintas para a ocorrência do efeito interruptivo da prescrição: o inciso primeiro é apenas possível diante de uma ação de exigibilidade do crédito; o inciso segundo é uma medida judicial que deve ser proposta antes da ação de execução fiscal; o inciso terceiro, um ato judicial de titularidade da autoridade judiciária que deve ser proferido no bojo de uma ação de exigibilidade; e o inciso quarto e último é um ato particular de reconhecimento do débito pelo devedor.
                   Entendemos também que as modalidades dos incisos II, III e IV não excluem a modalidade do inciso I. Porém o inciso I exclui os demais quando proposto primeiro. Isso porque a administração pública não pode fazer uso da causa suspensiva mais de uma vez, se beneficiando de dilação de prazo de forma desmedida, colocando em risco a segurança jurídica. É claro que a lei tributária nada diz a respeito, apensar da legislação civil ser expressa no caput do art. 202 de que a modalidade de interrupção só poderá ocorrer uma vez. Mesmo diante da omissão na legislação tributária, essa é a premissa que deve ser fixada, pois analisando o instituto que tem como objetivo proteger valor nobre e indispensável ao sistema (segurança jurídica), este não permitiria que a autoridade pudesse utilizar das medidas de forma excessiva tornando o sistema vulnerável, o que causaria uma imprescritibilidade que não é permitida pelo sistema indo de encontro com o objetivo da prescrição.
                   Outra questão fundamental que deve ficar registrada é que o reinício do prazo ocorrerá no mesmo dia da interrupção, assim no dia da efetivação da interrupção recomeça a contagem do prazo novamente desconsiderando todo o período anterior. É o que defende Maria Helena Diniz: “[...] Inutilização da prescrição iniciada, de modo que o prazo começa a correr da data do ato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper [...]”[1]. Anis Kfouri Junior, utiliza-se de uma analogia para explicar a diferença entre o efeito da suspensão e da interrupção, diz: “[...] Para melhor compreensão, costumo usar, por analogia, o exemplo de um aparelho de CD: a suspensão é a tecla “pause”, enquanto a interrupção é ‘stop’”[2].
                   Imaginar que o prazo de interrupção fique paralisado indefinidamente não é medida de segurança jurídica. Hugo de Brito Machado também compartilha do mesmo entendimento, comparando os efeitos suspensivos e interruptivos da prescrição, com o qual consentimos:

Em outras palavras, quando se verifica uma causa de suspensão da prescrição, o curso do prazo fica paralisado. Não corre enquanto perdurar a causa da suspensão. Essa causa geralmente perdura por algum tempo. Quando se verifica uma causa de interrupção da prescrição o curso do prazo é cortado, desprezando-se o período já decorrido. A causa de interrupção geralmente é instantânea. Depois de sua ocorrência o prazo volta a ter curso [...][3].

                   Novamente o CTN silenciou-se quanto ao reinício do prazo interruptivo, porém o mesmo dispositivo da legislação civil citado alhures (art. 202 do CC), agora na redação do parágrafo único dispõe que “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”. Tangenciando a rigorosa análise que traçamos sobre o instituto, é imperioso concluir que o prazo de prescrição interrompido retoma seu curso no mesmo instante em que foi interrompido, salvo se a lei dispuser de forma contrária, estabelecendo expressa e claramente qual o período da paralisação do prazo e quando este voltaria a seu fluxo. Se assim não for, estamos mais uma vez diante de uma causa imprescritível que destoa da tese defendida até aqui.
                   Porém utilizando-se da mesma redação do dispositivo legal, a doutrina defende que o prazo interrompido não assume o seu fluxo porque a segunda parte do art. 202 do Código Civil diz que apenas volta a correr o prazo do “último ato do processo para a interromper”. Nesse sentido, Carvalho Santos entende que no bojo de uma ação judicial não há encerramento do prazo inicial e fixação de novo prazo.

Porque o prazo da prescrição anteriormente decorrido é inutilizado com a citação, mas deste momento da citação não começa a correr novo prazo. Verifica-se um interregno, dentro do qual o prazo não começa a correr. Somente com o último termo da demanda ou quando esta tiver fim é que começa a correr prazo para a prescrição[4].

                   Não vemos sentido na afirmação de que o prazo de prescrição começa a correr com o final da ação. Qual o sentido de um prazo de exigibilidade após receber provimento jurisdicional (satisfativo ou não) recomeçar o prazo prescricional. A afirmação do autor é limitada, melhor seria dizer que não volta a correr o prazo. A única hipótese cabível da afirmação do autor seria no caso de uma ação ordinária julgada sem resolução de mérito (reclusão endoprocessual – coisa julgada formal), como defende Eurico Marcos Diniz de Santi, citando o autor acima:

Assim, o despacho do juiz ordenando a citação tem a finalidade de reconhecer juridicamente que, com a propositura da ação, se operou o termo consumativo da prescrição, interrompendo-se o seu curso. Ao mesmo tempo, esse ato incide e realiza a hipótese da regra de reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco estipulando o final do processo como novo prazo para o eventual exercício do direito de ação, e.g., no caso de suceder a coisa julgada formal[5].
                  
                   Veja que o artigo refere-se ao próprio ato interruptivo “para interromper” e não do processo “que o interrompeu”, isso porque o ato interruptivo pode ser complexo, v.g., citação válida: despacho citatório; emissão do mandado citatório; retirada do mandado pelo oficial de justiça; entrega para a parte; juntada aos autos do mandado, este é o “último ato do processo para interromper”, melhor seria que o artigo tivesse colocado “procedimento”, que certamente não deixaria dúvidas de que o prazo interruptivo retoma seu fluxo no instante em que termina o “ato”, ou melhor, procedimento de interrupção. 



[1] DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 890.
[2] KFOURI JUNIOR, Anis. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 241.
[3] MACHADO, Hugo de Brito, 2005, p. 567.
[4] CARVALHO, J. M. Santos de. Código Civil interpretado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, v. 3, p. 436.
[5] SANTI, 2011, p. 165.