O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) vetou a estratégia adotada pela Vialco Construções para a venda da SPVias, concessionária de rodovias em São Paulo. A operação foi feita por meio de uma companhia estrangeira, o que reduziu a tributação sobre o ganho de capital decorrente do negócio de 34% para 15%.
O caso foi julgado esta semana pela 1ª Turma da Câmara Superior, a última instância do Carf, que negou recurso da Vialco Construções e manteve a autuação fiscal aplicada pela Receita Federal. Prevaleceu, entre os conselheiros, o entendimento de que não houve um "propósito negocial" para a operação. Teria havido, segundo eles, um "planejamento tributário abusivo" visando exclusivamente reduzir o pagamento de impostos.
Foi a primeira vez que a Câmara Superior do Carf julgou o tema. Há uma série de processos nas turmas ordinárias que tem como alvo operações de venda de empresas em que houve devolução de capital para acionistas. Além desse caso envolvendo companhia estrangeira, há outros, como o uso de Fundo de Investimentos e Participações (FIP) e o que envolve a venda de ativos por meio do sócio pessoa física. No caso da Vialco Construções, que era a dona da SPVias, consta no processo (nº 16561.720127/20 15-18) que, em meio às negociações com a CCR - que adquiriu a concessionária em 2010 -, ela repassou todas as suas cotas para uma uruguaia, a Interban Sociedad Anónima, que detinha participação minoritária na concessionária. Essa transferência de ações, feita a título de devolução do capital investido (redução de capital), ocorreu dois meses antes da assinatura do contrato de venda, segundo a fiscalização. "Com tal estratégia, ao revés de ter sido recolhida uma tributação de 34% (25% de IRPJ e 9% da CSLL) pela pessoa jurídica domiciliada no país, foi apurada uma tributação significativamente menor de 15% a título de IRF [Imposto de Renda Retido na Fonte].
A evasão tributária foi, portanto, de aproximadamente 19% sobre o ganho" , consta no auto que foi aplicado pela Receita à Vialco Construções. A discussão na Câmara Superior do Carf se deu em torno do artigo 22 da Lei nº 9.249, que permite a devolução de capital da empresa aos seus sócios pelo valor contábil. A empresa informou aos conselheiros que agiu dentro da lei e que a turma ordinária já havia reconhecido que não houve tentativa fraude ou simulação, tanto que retirou a multa qualificada de 150% - reduzindo a penalidade para 75%. "O fato de os acionistas planejarem redução de capital visando a subsequente alienação está previsto em lei" , afirmou o representante da Vialco perante os conselheiros da 1ª Turma da Câmara Superior.
"O Fisco não pode impor ao contribuinte uma opção mais onerosa enquanto a própria lei prevê uma opção menos onerosa" , complementou. Já a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) enfatizou que, apesar de a lei permitir a devolução de capital da empresa ao sócio, não faz nenhuma menção sobre o ganho de capital obtido na venda. "Tem que diferenciar o que é opção legal e o que é matéria jurídica construída em cima do texto legal" , afirmou o procurador Moisés de Sousa Carvalho, que coordena a atuação da PGFN no Carf.
Ele reconheceu que a venda dos bens pelo sócio não é vedada, mas sustentou aos conselheiros que a alienação, nesses moldes, deveria "manter congruência com o contexto da operação". "A opção legal não autoriza atos artificiais, não autoriza abuso e não autoriza simulação" , disse. "Porque poucos meses após a venda o capital social da Vialco foi restabelecido voltou para o Brasil.
A redução foi um instrumento utilizado para transferir as cotas e o ganho de capital para a empresa no exterior" , completou. A decisão se deu pelo voto de qualidade (desempate) da presidente da 1ª Turma da Câmara Superior, Adriana Gomes Rêgo. Os quatro conselheiros representantes dos contribuintes se posicionaram de forma favorável à operação e os outros quatro que compõe a turma, representantes fazendários, votaram contra. Relator do caso, o conselheiro Demetrius Nichele Macei, representante dos contribuintes, entendeu que não houve simulação nem planejamento abusivo na operação de venda da SPVias.
Para ele, não há vedação legal para que a venda tivesse ocorrido por meio da empresa estrangeira. "Não se discute que poderia ter sido realizada diretamente pela Vialco, mas havia uma alternativa e a recorrente [empresa] fez a opção menos onerosa" , afirmou. Ele ficou vencido pela divergência, no entanto, que foi aberta pelo conselheiro André Mendes Moura, representante da Fazenda. "Ficou muito nítida a intenção de repassar os ativos para uma pessoa que goza de tributação mais favorável" , frisou. Para o conselheiro, o artigo 22 da Lei nº 9.249 não pode servir como um "cheque em branco" para a transferência do ganho de capital. Ele foi seguido por todos os demais conselheiros fazendários - que culminou com o voto duplo da presidente e a derrota, então, do contribuinte.
Especialista na área, o advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon, acredita que essa decisão do Carf não significa, no entanto, o "sepultamento da tese". "Vai depender do caso concreto" , diz. "Se o contribuinte conseguir que o Carf visualize o propósito negocial da operação, a decisão poderá ser favorável" , acrescenta.