Não obstante a enorme expectativa por uma urgente reforma do sistema tributário que gere maior segurança jurídica, reduza a complexidade e induza mais confiança no ambiente de negócios, a única proposta tem sido discutida por esforço da Câmara de Deputados. Não há projetos do governo federal ou dos demais entes federativos. Apenas uma minuta de PEC, com a criação de mais um novo imposto sobre consumo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que se somará a todos os demais existentes (IPI, ICMS, ISS e PIS/Cofins), ao longo dos próximos 10 anos, sem qualquer garantia de que o novo modelo verdadeiramente substituirá o vigente. Apenas uma certeza: o atual continuará com todos os seus problemas e desalinhos, pois nada, absolutamente nada, até o momento, foi apresentado para sua reforma.
Quem confiar na retórica do paraíso prometido de extinção do atual sistema dos tributos indiretos ao final dos próximos 10 anos, precisa lembrar apenas de três coisas: não haverá “garantia” de que esta extinção de fato ocorrerá em 2029, pois sempre haverá o risco de “prorrogação” por nova PEC; ter a certeza de que poderá haver uma avalanche de ações judiciais que culminarão em grandes dos conflitos tributários e embates federativos no âmbito do Supremo Tribunal Federal; mas, principalmente, de que o novo imposto (IBS somado ao IPI, ao ICMS, ao ISS e ao PIS/Cofins) trará uma explosão de alíquotas que serão aplicadas à indústria e aos serviços (a serem definidas pelos estados dentro de um limite superior a 20%), sem falar do fim de todos os incentivos fiscais que estimulam o desenvolvimento regional, a tributação na origem para estados produtores e que será quase que extinto o Simples, ao menos na forma que conhecemos hoje.
A confiança em promessas do Estado, sem atitudes concretas de proteção, é sempre algo temerário. Uma cena do filme O Grande Ditador ilustra bem essa situação. Chaplin, no papel do ditador de Tomânia, “Adenoid Hynkel”, recebe o ditador de Bactéria, “Benzino Napaloni”. Partem, então, para uma grande discussão sobre o que fazer com Osterlich, país vizinho de Tomânia. Napaloni insiste com Hynkel que assine o tratado para definição das fronteiras; Hynkel, por sua vez, defende que primeiro haja a retirada das tropas de Bactéria e que se deixe a assinatura para depois. Quem sofre, na briga, é o garçom, a parte mais fraca. A desconfiança mútua conclui-se com um conselho do ministro a Hynkel: assine o tratado e, assim, após a retirada das tropas por Napaloni, sem resistências, invadiremos Osterlich. E assim foi feito.
No caso do nosso novo imposto, tem-se o contribuinte, o eterno sofredor, que a tudo assiste taciturno, a supor que antes de 1º de janeiro de 2020 terá uma reforma total do sistema tributário, que resolverá todos os seus problemas. Não sabe ele que o espera unicamente a criação de um novo imposto...
A razão de dúvidas está fundada na experiência corrente da nossa República. Basta lembrar nossos tributos “provisórios” (CPMF) ou as quantas emendas à Constituição foram feitas com sucessivos aumentos de desvinculação de receitas da previdência, a DRU, atualmente em 30%. Ora, o mesmo Congresso Nacional que introduzirá uma PEC que cria mais um imposto (IBS) com a “promessa” de que o atual sistema de IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins será extinto em 2029, logicamente, detém poderes para apresentar quantas emendas (PEC) queira ao texto constitucional, que pode ser inclusive para ampliar o prazo ou até mesmo para manter, de modo definitivo, o convívio “fraterno” com ambos os sistemas de impostos indiretos: o novo (IBS) e o velho, que bem conhecemos, permeado de injustiças, sem nenhuma reforma.
Orçamento público exige previsibilidade de receitas estimadas para que as despesas possam ser realizadas, o que deve ser garantido principalmente por impostos pagos com elevado grau de espontaneidade. Somente quem desconhece o fenômeno da atividade financeira do estado imagina que mudanças abruptas no sistema tributário possam ser feitas sem os cuidados de proteção do orçamento na sua totalidade.
A verdadeira reforma tributária, tenho insistido em várias colunas aqui publicadas, há de ser aquela de reforma dos tributos existentes. E todas poderiam estar prontas, com mudanças da legislação infraconstitucional. Ninguém tem dúvidas sobre onde estão todos os problemas e quais são as soluções. No ICMS, por exemplo, urge a redução dos incentivos fiscais (não extinção), a limitação da substituição tributária a poucos setores e a aplicação do regime de créditos financeiros, para tudo o que seja adquirido pela empresa. Igualmente no PIS/Cofins, a redução dos regimes especiais inúmeros e generosos, bem como o emprego de créditos financeiros.
Essas mudanças podem servir à aproximação dos modelos dos impostos existentes, em tal harmonização que, com seu amadurecimento, possamos vislumbrar, tão natural quanto factível, a unificação de todos em projeto equivalente ou até no mesmo sugerido pela Câmara dos Deputados, em um futuro próximo.
Para todos estes casos, tanto eu quanto Everardo Maciel, além de outros juristas, em diversos artigos, têm chamado a atenção para a proteção do federalismo e dos direitos dos contribuintes, com projetos que poderiam ser discutidos de imediato para confluir para melhoria substancial do ICMS, do PIS/Cofins, do IPI ou do ISS.
O contribuinte espera uma reforma da segurança jurídica. Mudanças que tragam simplificação, certeza jurídica, previsibilidade e garantias nas relações com o Fisco. Ao mesmo tempo, os entes federativos não podem abrir mão de aumento de receita, para atender às suas demandas e necessidades sempre crescentes.
Como essas mudanças tardam, impressiona ver a quantidade de iniciativas de notável qualidade e repercussão que autoridades públicas têm promovido para encontrar soluções válidas para os problemas de financiamento dos orçamentos públicos.
Na semana passada, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Fiesp realizaram o “Congresso sobre Dívida Ativa da União – avanços e desafios na recuperação dos créditos da Dívida Ativa da União – diálogos interinstitucionais”, promovido pela Escola da Advocacia-Geral da União e pela PGFN.
Não é segredo para ninguém que o passivo da União, o estoque total da dívida ativa, bateu os R$ 2,1 trilhões e, nos últimos cinco anos, cresceu em média 11,4% ao ano. Temas como: uso de medidas alternativas para solução de conflitos, incidente de desconsideração da personalidade jurídica e responsabilidade patrimonial na execução fiscal, combate às fraudes fiscais estruturadas, recuperação de ativos, dentre outros, foram tratados como conteúdos necessários para serem enfrentados numa reforma tributária.
Portanto, neste conjunto de medidas, renovam-se esforços, mas agora com o reconhecimento de sua validade pela própria Procuradoria da Fazenda Nacional, da necessidade e do emprego de métodos adequados de resolução de conflitos tributários, assim como a utilização de meios consensuais, como a arbitragem tributária ou mesmo a conciliação, administrativa ou judicial, para agilizar a pacificação das relações tributárias e reduzir os custos das dívidas tributárias, tanto para o Fisco quanto para o contribuinte.
Coincidentemente, recebi as conclusões alcançadas pelos procuradores fiscais dos 26 estados da federação e do DF, no “VII Encontro Nacional das Procuradorias Fiscais – ENPF”, realizado entre os dias 8 e 10 de maio, no que definiram a “Carta do Rio de Janeiro”.
Dentre outros temas, a respeito dos métodos alternativos de soluções de conflitos, estas foram as conclusões aprovadas por unanimidade, a saber:
“A transação tributária, prevista no artigo 171 do CTN, não é benefício fiscal, não precisando, portanto, de prévia aprovação do CONFAZ.
A indisponibilidade não impede a transabilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 171 do CTN, desde que haja previsão legal específica.
A transação tributária não fere o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Programas de refinanciamento de dívidas que importem em anistia e remissão não se confundem com o instituto da transação tributária previsto no artigo 171 do CTN.
Os advogados públicos que atuarem em transação tributária somente poderão ser responsabilizados nos casos de dolo ou fraude comprovados”.
São conclusões precisas e que merecem especial atenção por parte de todos. Vale lembrar que os enunciados foram aprovados à unanimidade dos participantes das oficinas e submetidos ao Plenário do Congresso. Daí sua importância para esta compreensão, além de outros temas igualmente relevantes, os quais serviram de conteúdo da Carta.
Estes movimentos, ainda que independentes entre si, revelam uma tendência das carreiras de estado, tanto federal quanto estadual, para a defesa de métodos alternativos para solução de conflitos tributários. É uma excelente notícia.
Há mais de 15 anos, tenho proposto uma simplificação do ordenamento tributário, com medidas equivalentes, como: 1) redução de litígios em varas de execuções fiscais, para manter nestas apenas aquelas de matéria (especializada) exclusivamente “tributária”; 2) ampliação de medidas preventivas de conflito na fase de lançamento tributário; 3) reforma da legislação de execução fiscal e do processo administrativo; 4) conciliação em todos os processos tributários; 5) uso da mediação, transação ou da “arbitragem tributária” (a exemplo da experiência de Portugal); 6) simplificação e eficiência das consultas tributárias; e 8) reforma do modelo de sanções tributárias e outros.
O sentido é sempre o mesmo. O Direito Tributário deve orientar-se em direção à praticabilidade e à segurança jurídica, mediante permanente observância dos princípios da certeza, da transparência, da confiabilidade, da simplicidade e da previsibilidade na criação de leis e na relação tributária.
No rol de “incentivos” não se inclui a modalidade da “transação”, ou qualquer outra forma alternativa de solução de conflitos, até porque serão sempre uma decisão processual e dependente da existência de litígio. O artigo 14, da Lei de Responsabilidade Fiscal, é aplicável aos casos de concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita. A sua aplicação deve ser restritiva aos casos de incentivos ou benefícios fiscais e não a soluções de litígios. Se fosse assim, qualquer decisão administrativa ou judicial que resultasse em extinção do crédito tributário somente poderia ser adotada com compensação de receita. Ao mais, são de mesma hierarquia o artigo 14 da LRF e o artigo 156 do CTN. Ambos são leis complementares.
A única interpretação coerente, a partir da entrada em vigor do novo CPC, é aquela de se admitir um princípio do dever estatal de rápida solução dos litígios, e não sua eternização, com custos vários para o Estado. Dentre outros, o custo do próprio processo, os custos de perdas de oportunidades, pela não utilização dos recursos públicos, dentre outros. E o artigo 3º do CPC, no seu parágrafo 3º, não deixa dúvidas. Ao falar de “defensores públicos”, de se ver, inclui os procuradores dos estados e da União como destinatários dos princípios e deveres que contempla: estimular, inclusive no processo judicial, o uso da conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos.
Afora estes, temos vários exemplos de contribuições notáveis ao aperfeiçoamento do ordenamento tributário, feitas com a mesma seriedade e dedicação, os quais deverão ser levados em consideração, neste esforço patriótico e republicano de uma reforma tributária responsável e coerente com as demandas da sociedade. A melhor e mais eficiente reforma tributária, sem dúvidas, será aquela infraconstitucional, que não tolha direitos dos contribuintes e garanta a continuidade das competências tributárias dos estados e municípios, ao mesmo tempo que contribua para a superação da crise, estimule a volta dos investimentos e garanta melhores horizontes fiscais para as gerações futuras.