O tema é polêmico. Em setembro do ano passado, custou a demissão do economista Marcos Cintra da Secretaria da Receita Federal pela associação à extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). Contudo, desde dezembro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a defender a ideia, sugerindo a criação de um ITF em meios digitais, como por aplicativos de celular ou via internet banking. O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, chegou a declarar que “todas as alternativas estão na mesa”.
A retomada da discussão do ITF na metade de dezembro, às vésperas das festividades de fim de ano, foi um balão de ensaio do governo que colou. Não que a medida tenha deixado de ser controversa, mas alguns parlamentares estão acreditando — e outros sendo convencidos pela equipe econômica — de que a proposta pode viabilizar a aprovação da reforma. Tanto as PECs nº 45 e nº 110, bem como sua unificação, provocam, na prática, a elevação de carga tributária para o setor terciário, reconhece o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-líder do governo e de seu partido na Casa.
Ao contrário da indústria, que faz aquisição de insumos que podem ser usados para geração de crédito tributário, entidades de comércio e serviços projetam que a unificação tributária, com a inclusão do ISS, oneraria o setor, diferentemente da indústria. A contrapartida poderia vir da desoneração da folha de pagamento. A arrecadação do IMF seria destinada a custear a renúncia fiscal — como deseja Guedes. “Seria uma compensação para todos os setores produtivos. Mas, para isso, o governo tem que se posicionar e dizer o que quer”, sustenta Izalci.
Taxa pequena
A equipe econômica trabalha para apresentar o quanto antes sua proposta do IMF. Guedes acredita que a tributação sobre transações financeiras digitais, com uma taxa pequena, para que todos contribuam para desonerar a folha de pagamentos, é o que viabiliza a aprovação de uma reforma tributária possível no curtíssimo prazo. “Com isso, o custo da geração de emprego se torna mais fácil. Hoje, os empresários pensam 10 vezes antes de contratar. As proposições no Congresso aumentam tributo sobre o comércio e serviços, os maiores empregadores”, sustenta um interlocutor do ministro.
Sem o imposto análogo à CPMF, a equipe econômica acredita que nem a unificação de PIS e Cofins, estudada pela pasta, sairia do papel. “O máximo que conseguiríamos fazer seria uma desburocratização, simplificação e eliminação de obrigações acessórias estúpidas, geradas normalmente no ICMS”, diz o interlocutor. Ele cita, como exemplo, a adoção da nota fiscal eletrônica universal igual para todos os estados. “Mantêm-se as regras dos estados, mas a nota fiscal seria única e tudo por sistema eletrônico. Isso é possível”, pondera.
O convencimento político e técnico do IMF não será uma tarefa simples. O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e autor intelectual da PEC nº 45, apresentada pelo líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), é contrário à ideia de tributar transações a uma alíquota de 2,5%, de acordo com sugestão do Instituto Brasil 200. A sugestão do governo, no entanto, é de uma taxa progressiva entre 0,2% e 0,4%. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também é avesso à medida.
A viabilidade do tributo, contudo, encontra, aos poucos, amparo entre nomes influentes no parlamento. O deputado Hildo Rocha (MDB-MA), vice-presidente da comissão mista criada em dezembro para discutir a unificação das PECs nº 45 e nº 110, se mostra sensível à ideia e vai se colocar à disposição para trabalhar o convencimento, sob pretexto de a reforma não sair. “Estamos abertos a receber as sugestões do governo. Há espaço para discutir a inclusão da desoneração da folha, que pode ser feita pelo calibramento da alíquota do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) ou pelo IMF, que substituiria a tributação da folha. O Rodrigo (Maia) é totalmente contra essa ideia, mas sou simpático a ela”, afirma.
Proposta ficará pronta em março
O governo terá que correr contra o tempo para formalizar sua proposta do Imposto sobre Transações Financeiras (ITF). A comissão mista da reforma tributária está disposta a ouvir as iniciativas da equipe econômica, mas deixa claro, desde agora, que o parecer do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), será apresentado em março. Até lá, o que pode ajudar a retardar o processo é a falta de consenso para a composição do colegiado e do texto final.
Em dezembro, quando criou a comissão mista, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), estabeleceu que o colegiado seria dividido entre 15 deputados e 15 senadores. A decisão pegou mal, e a Câmara está disposta a não iniciar os debates enquanto o princípio da proporcionalidade não for respeitado. Os deputados entendem que a composição deve ser de um senador a cada cinco ou seis deputados.
Além de divergências quanto à proporção, será necessário chegar a um consenso sobre o esboço da redação única entre a unificação das Propostas de Emenda à Constituição (PEcs) nº 45/2019, da Câmara, e nº 110/2019, do Senado. O principal desafio da reforma tributária não é nem a iminência das eleições municipais, mas, sim, a necessidade de contornar egos e vaidades.
Autoria
No Senado, a PEC nº 110 é avaliada como a melhor. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-líder do governo e de seu partido na Casa, por exemplo, considera isso, mas reconhece que é necessário superar a discussão da autoria. Por isso, avalia que a inserção do governo no debate é imprescindível. “A equipe econômica tem que entrar na discussão para fazer essa composição. Se o (Paulo) Guedes apresenta uma proposta razoável, adquire a bagagem de ser o mediador”, destaca.
Na Câmara, não é diferente. O deputado Hildo Rocha (MDB-MA), vice-presidente da comissão mista e presidente da comissão especial da PEC nº 45, se articula para compor o texto único tendo o projeto da Casa como espinha dorsal. Ele considera que o ideal é unificar apenas IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, mas sugere que a redação final poderia incluir a Cide, tributo presente nos combustíveis, o que previsto na PEC º 110. “A regra de transição poderia ser a do Senado, tendo a arrecadação e distribuição das receitas feitas pelo comitê gestor sugerido pela Câmara”, sustenta. Já IOF, Pasep e Salário-Educação, que tiveram a unificação proposta pelo Senado, ele defende que fiquem de fora.
Convencer sociedade é desafio
O Palácio do Planalto terá o desafio de calibrar a comunicação em defesa de um Imposto sobre Movimentações Financeiras (IMF). Depois de o presidente Jair Bolsonaro ter enterrado o assunto em setembro, será dele a principal responsabilidade em assumir o mea culpa, defender publicamente a medida proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e convencer a sociedade de que a iniciativa pode viabilizar a unificação de impostos com desoneração do custo que as empresas têm com mão de obra.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, defende que o governo levante a bandeira da transparência à sociedade e seus representantes políticos, deputados e senadores. O setor representado por ele é um dos que sofrerão impactos de elevação de carga tributária com as unificações propostas, mas sinaliza a possibilidade de apoio caso o Executivo deixe claro quem sai ganhando, quem sai perdendo e as medidas estudadas para mitigar esses impactos.
Sem isso, Solmucci acredita que, mesmo quem quer a reforma tributária, pensará duas vezes antes de apoiá-la. “Sem transparência, ficamos absolutamente desconfortáveis, porque ninguém vai assinar um cheque em branco”, pondera. A própria comunicação terá que ser ajustada pela equipe econômica de forma a explicar que o IMF pode trazer benefícios se aplicado como propõe, admite um interlocutor do governo. “O Guedes não quer usar o termo CPMF, mas taxar como se CPMF fosse”, pondera.
O deputado Luis Miranda (DEM-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária, diz que vai mobilizar a associação a apoiar o debate sobre o IMF, mas alerta que o governo terá que fazer sua parte. “O governo impôs uma narrativa que jamais aceitaria o retorno da CPMF e demitiu até um secretário da receita com o pretexto de que era inadmissível”, alerta.
Articulação
A articulação política vai se mobilizar para apoiar a equipe econômica e convencer o Parlamento, diz o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. “A democracia é baseada em diálogo e conciliação. Vou buscar mais aproximação além daqueles com quem já consegui uma abertura, e um diálogo com os presidentes Rodrigo Maia (da Câmara) e Davi Alcolumbre (do Senado). Não adianta ter contato com líderes e não ter acesso a eles”, sustenta.
O ministro reconhece que o ano é atípico, em decorrência das eleições municipais, mas está otimista em aprovar a reforma. “A partir de julho acabou. Sabemos do tempo e dos desafios em relação à reforma tributária, que é a prioridade. Vamos verificar como fica a situação das emendas de orçamento impositivo, mas propondo um diálogo aberto, dentro de uma relação institucional e fraterna”, diz.