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quinta-feira, 11 de julho de 2019

Governo do Rio erra ao extinguir Conselho de Contribuintes


Consultor Jurídico - 05.07.2019 

Por Donovan Mazza Lessa e Marcos Correia Piqueira Maia

No dia 27 de junho, o contribuinte fluminense acordou com uma notícia surpreendente: o governador do estado pretende extinguir o Conselho de Contribuintes da Secretaria de Fazenda, órgão responsável pelo julgamento, em 2ª instância, dos processos administrativo-tributários.

Cabe, antes, ressaltar que o Conselho de Contribuintes é formado por quatro câmaras, cada qual composta de quatro conselheiros, sendo que dois são fiscais indicados pelo governo, e os outros dois, por entidades de classe dos contribuintes (posteriormente chancelados pelo próprio governador).

Essa composição paritária é o “coração” da estrutura, na medida em que permite um amplo debate acerca dos temas tributários postos em discussão. Tal paridade, porém, não prejudica os interesses da Fazenda, uma vez que, em questões controvertidas, nas quais há empate de votos, prevalece a opinião do presidente do conselho, que é sempre representante do Fisco.

Trata-se de estrutura bem elaborada para atender aos interesses da Fazenda e do contribuinte, posto que é capaz de dirimir as controvérsias com transparência, moralidade e eficiência.

Assim, surpreendeu a todos aqueles que militam na área a pretensão do governador de extinguir o conselho, especialmente sob as alegações, conforme reportagem do Valor Econômico (27/6/2019), de que o tempo médio de duração dos processos seria grande e que cerca de 70% das autuações seriam consideradas válidas em grau recursal, de modo que a manutenção de toda uma estrutura para se chegar a esse resultado não faria, a seu ver, muito sentido.

Antes de tudo, é importante registrar que a instituição e a estruturação do Conselho de Contribuintes estão contempladas em lei ordinária: trata-se do Decreto-Lei 05/75, recepcionado com aquele status pela atual ordem constitucional. Os artigos 254 e 256 do referido diploma são muito claros: o primeiro afirma que “o recurso voluntário apresentado pelo sujeito passivo contra a decisão da primeira instância administrativa será julgado pelo Conselho de Contribuintes”, enquanto que o segundo determina que o “Conselho de Contribuintes dividir-se-á em 4 (quatro) Câmaras, em cuja composição será sempre respeitado o princípio de paridade”.

Ou seja, a pretensão de extinguir o conselho é tema de competência privativa da Assembleia Legislativa — que somente poderia fazê-lo por meio de lei. Não cabe ao governo do estado, por simples decreto, tomar qualquer medida unilateral que vise a sua extinção.

E, mesmo que a Assembleia pretendesse fazê-lo, tal medida ainda poderia ser questionada perante o Poder Judiciário. Isso porque o STF, ao julgar o RE 389.383/SP e o AgRg no AI 398.933/RJ (dentre outros, que deram origem à Súmula Vinculante 21), deixou consignado que o recurso na esfera administrativa é uma prerrogativa inerente aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV e LV da CF).

Portanto, sabendo-se que a tradição no Direito brasileiro é a de que a instância recursal no processo administrativo-tributário seja formada por um órgão de caráter paritário, pode-se afirmar que o Conselho de Contribuintes do Rio, da forma como está estruturado, encontra-se protegido pelas garantidas do citado artigo 5, LIV e LV.

Agravam ainda mais a situação as justificativas que foram dadas pelo governo para a extinção do conselho. Afinal, alegar que o tempo médio de duração dos processos é grande e que cerca de 70% das autuações acabam sendo mantidas é, no nosso sentir, de todo descabido.

Evidentemente, a economia imediata que seria gerada pela extinção do conselho seria anulada pela geração de novas despesas a médio prazo. Em primeiro lugar, porque os processos que deixarem de ser cancelados no conselho irão desaguar no Poder Judiciário, demandando um aumento considerável na estrutura da Procuradoria do estado (o que, diga-se de passagem, representaria um gasto inútil, já que a cobrança de tais créditos tributários está fadada ao insucesso). Em segundo lugar, teríamos também um aumento expressivo de custos do próprio Judiciário, que receberia um número muito maior de processos para julgamento.

E o mais grave: a extinção do conselho representará um brutal aumento das verbas sucumbenciais pagas pelo Estado aos contribuintes fluminenses, pois, sem o “filtro” do referido órgão, créditos tributários manifestamente indevidos serão objeto de ações judiciais — sendo que o novo CPC aumentou significativamente a sucumbência contra a Fazenda Pública.

Portanto, se a questão é de custos, a extinção do conselho, em vez de gerar economia para o erário, acarretará um nocivo, inútil e substancial aumento dos gastos públicos.

A busca por “economia” e “eficiência” na cobrança do crédito tributário, como se percebe, não será obtida por meio da extinção do conselho; pelo contrário, o que se deve fazer é fortalecer o referido órgão, por meio de medidas como as seguintes:

suprimir da legislação o chamado “recurso hierárquico” — que somente a Procuradoria do estado pode interpor caso a decisão do conselho lhe seja desfavorável —, o qual, via de regra, demora muito tempo para ser analisado;
determinar que o Conselho de Contribuintes e a Junta de Revisão Fiscal (órgão julgador de 1ª instância) adotem os posicionamentos firmados pelo STJ (em recurso repetitivo) e pelo STF (em repercussão geral), fato que agilizaria sobremaneira a tramitação dos casos;
investir na capacitação dos fiscais estaduais;
desenvolver um sistema digitalizado para a tramitação dos processos administrativo-tributários, como já fez a União, além de estados e municípios.
Várias outras medidas poderiam ser tomadas, sendo certo que a extinção do conselho não gerará os efeitos pretendidos. O que se verá, na verdade, é uma violação grave à cidadania fiscal dos contribuintes e, sem dúvida, um aumento substancial do passivo do estado que deverá ser pago pelas nossas próximas gerações.

Em tempos de crise econômica e guerra fiscal para a atração de investimentos, os outros estados agradecem.

Donovan Mazza Lessa é advogado tributarista, sócio do Maneira Advogados.

Marcos Correia Piqueira Maia é sócio do Maneira Advogados.

Minhas publicações em revistas, livros e sites:

38 - A Responsabilidade Tributária "Pessoal" Prevista no Código Tributário Nacional. in Revista Pensamento Jurídico - São Paulo - vol. 16, nº 1, jan./abr. 2022 . p. 90 - 123 - ISSN 321-1039-1 ______ 37. Arbitragem em Matéria Tributária. in Revista de Direito Tributário Contemporâneo. Ano 7. Vol. 32. jan./mar.2022. Coordenação Paulo de Barros Carvalho. p. 293 - 307. ISSN 2525-4626 ______ 36 - Reserva de Lei Complementar para Dispor sobre Prescrição Intercorrente em Matéria Tributária: Análise do RE 636.562-SC. in XVII Congresso Nacional de Estudos Tributários: Meio Século de Tradição. Coordenação Paulo de Barros Carvalho; Organização Priscila de Souza. 1ª ed. São Paulo: Noeses: IBET, 2021. p. 1247-1258 - ISBN 978-65-89888-29-1 ______ 35 - A Função da Lei Complementar 116/2003 e Dispor Sobre Conflito de Competência entre os Municípios. in Direito Constitucional Tributário e Tributação Municipal: Estudos em Homenagem à Professora Elisabeth Nazar Carrazza. Organizadore: Anselmo Zilvet Abreu, Carlos Augusto Daniel Neto, Marcio Cesar Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2021. p. 505-516 - ISBN 97-8655-575-076-8. ______ 34 - A Responsabilidade Tributária dos Administradores e dos Sócios. in Compêndio de contabilidade e direito tributário: volume I: contabilidade. Organizadores: Luis Alberto Buss Wulff Junior, Luiz Alberto Pereira Filho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. p. 43-51 - ISBN 978-65-5510-551-3. ______ Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário como Hipótese de Suspensão do Prazo de Prescrição. in Estudos de Direito Tributário: homenagem a José Eduardo Soares de Melo. Organização de Eduardo Soares de Melo. São Paulo: Malheiros, 2020. p. 697-706 - ISBN 978-85-392-0459-5.

32 - Autocomposição na Administração Pública em Matéria Tributária. Revista de Doutrina Jurídica - RDJ (online), v. 111, p. 186-363, 2020 - ISS 2675-9640 - link: https://revistajuridica.tjdft.jus.br/index.php/rdj/article/view/578

31- Breves Comentários do Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre Prescrição Intercorrente em Matéria Tributária. in O Supremo Tribunal de Justiça e a aplicação do direito: estudos em homenagem aos 30 anos do Tribunal da Cidadania. Coordenação Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho e Daniel Octávio Silva Marinho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. p.581-591 - INSB 978-65-5510-146-1

30- La Posibilidad de Soluciones Alternativas De Controversias en el Derecho Tributario. in Revista Estudios Privados ZavaRod Institute. Ano VII – nª 07/2020 – Segunda Época – pág. 112-120; Versión Digital www.zavarod.com.

29- La Responsabilidad Tributaria del Administrador de Fondos de Inversión. in Revista Estudios Privados ZavaRod Institute. Ano VII – nª 07/2020 – Segunda Época – pág. 209-221; Versión Digital www.zavarod.com.

28- El Problema que Provoca la Modulación de los Efectos de las Decisiones Emitidas en el Control de Constitucionalidad en Materia Tributaria. in Revista Estudios Privados ZavaRod Institute. Ano VII – nª 07/2020 – Segunda Época – pág. 300-313; Versión Digital www.zavarod.com.

27. A execução contra a Fazenda Pública fundada em título executivo extrajudicial de acordo com o art. 910 do Código de Processo Civil (co-autoria com Ana Paula Martinez). in Processo de Execução e Cumprimento de Sentença: temas atuais e controvertidos. Coordenação Araken de Assis e Gilberto Gomes Bruschi. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 919-924 - ISBN 978-65-5065-285-2.

26. Modulação dos Efeitos da Decisão: Razões de (in)Segurança Jurídica. in Texto e Contexto no Direito Tributário. Coordenação Paulo de Barros Carvalho; Organização Priscila de Souza. 1ª ed. São Paulo: Noeses: IBET, 2020. p. 1113-1123 - ISBN 978-65-992879-3-0

25. O grave Problema da Técnica de Modulação dos Efeitos das Decisões Proferidas em Controle de Constitucionalidade em Matéria Tributária. in Novos Rumos do Processo Tributário: Judicial, Administrativo e Métodos Alternativos de Cobrança do Crédito Tributário, vol.1; coordenação de Renata Elaine Silva Ricetti Marques e Isabela Bonfá de Jesus. São Paulo: Editora Noeses,2020, p. 767-783.

24. Constructivismo Lógico Semântico. in Constructivismo lógico-semântico: homenagem aos 35 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coordenação de Paulo de Barros Carvalho; organização Jacqueline Mayer da Costa Ude Braz. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2020. p. 233-251 - ISBN 978-85-8310-143-7

23. Responsabilidade Tributária do Administrador de Fundos de Investimento. in Constructivismo lógico-semântico e os diálogos entre a teoria e prática. Coordenação Paulo de Barros Carvalho; organização: Priscila de Souza. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2019. p.1095-1110 - ISBN 978-85-8310-142-0

22. A possibilidade de soluções alternativas de controvérsias no Direito Tributário in Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu. Ano 6 - nº 07 - 1º semestre de 2019 - ISBN 2358-6990 - - https://www.usjt.br/revistadireito/numero-7.html

21. Prazo de Decadência das Contribuições Previdenciárias Executadas de Ofício Na Justiça do Trabalho. in 30 anos da Constituição Federal e o Sistema Tributário Brasileiro. Organização Priscila de Souza; Coordenação Paulo de Barros Carvalho. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 987 - 1009.

20. Nova interpretação do STJ sobre prescrição intercorrente em matéria tributária in conjur.com.br (28.11.2018)

19. Uma Nova Visão Para um Velho Assunto: Decadência e Prescrição no Direito Tributário, in Normas Gerais de Direito Tributário: Estudos em Homenagem aos 50 anos do Código Tributário Nacional. Coord. Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho. Curitiba: Editora CRV, 2016. p. 537-549.

18. A Lei Complementar e a Função de Solucionar Conflito de Competência em Matéria Tributária. in 50 Anos do Código Tributário Nacional. Org. Priscila de Souza; Coord. Paulo de Barros Carvalho. 1 ed. São Paulo: Noeses: IBET, 2016. p.1087-1098.

17. Prescrição, Decadência e base de cálculo das contribuições executadas de ofício na Justiça do Trabalho. In: Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, et. al.(Org.). PRODIREITO: Direito Tributário: Programa de Atualização em Direito: Ciclo 2. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2016. p. 47-81. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 2).

16. A Cobrança do Crédito Tributário e os Conflitos que podem ser Solucionados no âmbito do Processo Administrativo Tributário. Revista Sodebras - Soluções para o desenvolvimento do País. Volume 11 – n. 132 – Dezembro/2016. p. 25-29.

15. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. Revista de Direito Tributário Contemporâneo. vol.02. ano 1.p.197-209. São Paulo: ed. RT, set-out.2016.

14. O Direito à Repetição do Indébito do ICMS: Aplicação do Art. 166 do CTN. In: Betina Treiger Grupenmacher; Demes Brito; Fernanda Drummond Parisi. (Org.). Temas Atuais do ICMS. 1ed.São Paulo: IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda, 2015, v. 01, p. 01-494.

13.Uma nova visão sobre Decadência e Prescrição no Direito Tributário. In: Fernanda Drummond Parisi; Heleno Taveira Torres; José Eduardo Soares de Melo. (Org.). Estudos de Direito Tributário em Homenagem ao Professor Roque Antônio Carrazza. 1ed.São Paulo: Malheiros Editores, 2014, v. 1, p. 612-626.

12.O início da Fiscalização como Demarcação do Prazo de Decadência do Crédito Tributário. In: Paulo de Barros Carvalho; Priscila de Souza. (Org.). O Direito Tributário: Entre a Forma e o Conteúdo. 1 ed.São Paulo: Editora Noeses, 2014, v. 1, p. 1-1158.

11. O Supremo Tribunal Federal: Órgão Jurídico (não político). Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu, http://www.usjt.br/revistadire, p. 01 - 249, 01 mar. 2014.

10.Constituição Definitiva do Crédito Tributário. In: Paulo de Barros Carvalho. (Org.). X Congresso Nacional de Estudos Tributários: Sistema Tributário Brasileiro e as Relações Internacionais. 1ed.São Paulo: Editora Noeses, 2013, v. 1, p. 1-1160.

9.Impossibilidade de incidência nas importações de serviço. In: Alberto Macedo e Natalia De Nardi Dacomo. (Org.). ISS Pelos Conselheiros Julgadores. 1ed.SÃO PAULO: Quartier Latin, 2012, v. 1, p. 429-438.

8. Penhora on line em Matéria Tributária, aplicação do art. 185-A do Código Tributário Nacional - CTN. Enfoque Jurídico - Ano I - Edição 2 - Abril/2011, São Paulo, p. 8 - 8, 01 abr. 2011.

7.Norma Jurídica: paralelo entre a teoria normativista- positivista clássica e a teoria comunicacional. In: Gregorio Robles; Paulo de Barros Carvalho. (Org.). Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha. 1ed.São Paulo: Noeses, 2011, v. 1, p. 3-649.

6. Lacunas no Sistema Jurídico e as Normas de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário 109/110. Malheiros Editores, 2010.

5. Meio Eletrônico Utilizado para garantir a efetividade na cobrança do crédito tributário: penhora on line. Direito Tributário Eletrônico, Editora Saraiva, 2010.

4. La modulación de efectos de la decisión en el control de constitucionalidad brasileña. Revista Opciones Legales -Fiscales, Edição Especial, Junio 2010, México. E edição normal de venda, México, junio 2010.

3. Tradução e Direito:Contribuição de Vilém Flusser e o dialogismo na Teoria da Linguagem. Vilém Flusser e Juristas. Editora Noeses, 2009.

2. Modulação dos efeitos da decisão em matéria tributária: possibilidade ou não de “restringir os efeitos daquela declaração”. Revista Dialética de Direto Tributário (RDDT). v.170, p.52-63, 2009.

1. Concessão de Medida Cautelar em Controle de Constitucionalidade Concentrado e seus Efeitos em Matéria Tributária. Revista da Escola Paulista de Direito. Editora Conceito, 2009. v.7, p.05 - 449.

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